Uma pequena sala no centro de Aquidauana, sem CNPJ ou qualquer registro como empresa, movimentou R$ 12,9 milhões só de propina paga a Reinaldo Azambuja (PSDB), segundo denúncia do MPF (Ministério Público Federal). O Escritório Carandá distribuía a fortuna entre parentes do governador de Mato Grosso do Sul, sob a fachada de compra de gado ou empréstimos.
Em alguns casos, a investigação da Polícia Federal apontou que a propina era sacada em espécie e entregue pessoalmente.
Conforme relatório do Inquérito 1190, que originou a denúncia do MPF ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), o Carandá teria surgido em 2012, fruto de sociedade entre José Ricardo Guitti Guimaro e João Carlos de Lemes Siqueira. O primeiro, junto com Reinaldo Azambuja e mais 22 pessoas, está entre os denunciados.
“Polaco”, como José Ricardo é conhecido, também teria cometido os crimes de lavagem de dinheiro para a organização criminosa que, segundo o MPF, seria chefiada por Reinaldo Azambuja.
O escritório começou para intermediar a compra de boi gordo para abate no frigorífico Buriti, localizado às margens do Rio Aquidauana, na cidade de mesmo nome, a 130 quilômetros de Campo Grande.
A empresa é administrada por Pavel e Daniel Chramosta, respectivamente pai e filho. Os Chramosta, arrastados para o esquema de corrupção implantando na Sefaz-MS pela organização criminosa de Reinaldo, chegaram a conversar no grupo da família sobre o medo de irem para cadeia.
O combinado em acordo verbal era que o Carandá ficaria com o dinheiro movimentado pela venda da carne. Por outro lado, o Buriti lucrava com o despojo (miúdos, couro e ossos do gado), que depois era negociado pelo abatedouro com produtores sabão, sabonete, adubo e até artesanato.
Em oitivas na Polícia Federal, Pavel Chramosta disse que o frigorífico tinha o mesmo tipo de vínculo com outros corretores de gado, chamados de “marchands”. Assim, cada escritório abria e administrava uma conta bancária, registrada no CNPJ do Buriti.
Em nota à reportagem, a defesa do frigorífico afirmou que a prática é comum e legal. Além disso, reforçou que “todas as movimentações supostamente irregulares foram realizadas por terceiros”.
A conta com o Carandá foi aberta no Bradesco. Em 2015, ela seria utilizada para lavar R$ 12,9 milhões em propina paga pela JBS a Reinaldo Azambuja. O dinheiro era transferido sob o disfarce de pagamento pela compra de gado, por meio da emissão de notas “frias” pelo Buriti.
Anotações do ex-gerente da Unidade 1 da JBS em Campo Grande sobre pagamentos ao frigoríficoBuriti (Foto: Reprodução/Inquérito 1.190/STJ)
Todas as transações foram registradas pela JBS e entregues à polícia. Os pagamentos conferem com as anotações pessoais de ex-gerente da Unidade 1 do frigorífico em Campo Grande, onde os documentos fiscais fraudados eram entregues.
Azambuja foi denunciado pela suspeita de ter recebido R$ 67,7 milhões em propina do grupo dos irmãos Batista, de 2014 a 2016. Em contrapartida, a JBS ganhava benefícios fiscais que desfalcaram os cofres do Estado em R$ 209,7 milhões.
Polaco entra para a organização criminosa a partir de 2014, quando trabalha na campanha que elege Reinaldo Azambuja ao governo do Estado. É quando, segundo as investigações, o marchand se aproxima de Rodrigo Souza e Silva, filho do governador.
Polaco e Rodrigo declararam à polícia que tinham pouco contato, mas os registros telefônicos obtidos na investigação indicam o contrário. A dupla trocou 95 ligações só em 2015. Muitos dos telefonemas eram feitos no mesmo dia dos pagamentos da JBS na conta da Buriti administrada pelo Escritório Carandá.
De acordo com as investigações, parte dos valores depositados na conta gerida pelo escritório foi transferida para familiares de Reinaldo Azambuja.
Há registros de movimentação até mesmo na conta da mãe de Reinaldo, Zulmira Azambuja Silva. Conforme relatório, ela recebeu R$ 50 mil em depósitos do Escritório Carandá. A polícia acredita que as transferências foram feitas para dissimular e ocultar valores em benefício ao governador.
Os investigadores também rastrearam pagamentos a partir do Carandá em favor de Roberto de Oliveira Silva Junior, irmão de Reinaldo; Lenita Schmitde Oliveira Silva, cunhada do governador; Gabriela de Azambuja Silva Miranda, sobrinha; Léo Renato Miranda, marido de Gabriela; e Evilásio Nunes de Miranda, sogro de Gabriela. Roberto, Gabriela e Léo foram denunciados ao STJ por lavagem de dinheiro para organização criminosa.
As defesas dos parentes de Reinaldo Azambuja justificam à polícia que o dinheiro movimentado ora seria oriundo de negociações para venda de gado, ora decorrentes de empréstimos feitos ao irmão de Fátima Alves de Souza Silva, esposa de Reinaldo Azambuja.
Em alguns casos, o Ministério da Agricultura confirmou a venda do gado. Porém, a polícia estranhou que os pagamentos eram feitos até três meses antes da efetiva movimentação do boi. Conforme as investigações, os marchands trabalham com capital de giro reduzido, o que inviabilizaria esses adiantamentos.
Especificamente no caso de uma transferência de R$ 69,5 mil a Roberto Silva Junior, os investigadores sustentam ser “difícil acreditar que corretores de gado paguem o valor de quase R$ 70.000,00 como adiantamento abrindo mão de parte importante de seu capital de giro por período aproximado de três meses”.
Outra parte da propina que “pingava” na conta do Escritório Carandá era transferida para conta pessoal de Polaco. O corretor, então, sacava volumosas quantias e, segundo a Polícia Federal, entregava pessoalmente para pessoas ligadas ao governador.
Torres de transmissão apontam que Polaco e Cristiane estavam próximos no dia em que propina teria sido repassada a Reinaldo (Foto: Reprodução/Inquérito 1.190/STJ)
A denúncia da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo narra situações em que as datas destes saques coincidem com ligações telefônicas entre Polaco e Rodrigo Souza e Silva. Além disso, os dois compartilharam sinal vindo da mesma torre de comunicação em três ocasiões, em abril de 2015. Ou seja, estavam próximos. Para a polícia, um indicativo de que estariam combinando encontro para a entrega dos pacotes com dinheiro vivo.
As remessas de propina em espécie também seriam recolhidas por Cristiane Andreia de Carvalho dos Santos Barbosa, secretária de Reinaldo Azambuja e chefe de gabinete do governador. A mesma relação de datas dos saques com ligações entre Polaco e ela foi demonstrada quatro vezes pelos investigadores, entre março e julho de 2015.
Cristiane teria intermediado o recebimento de pelo menos R$ 492,6 mil em propina. O MPF denunciou a chefe de gabinete por lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A defesa de José Ricardo Guitti Guimaro declarou que só vai se manifestar em juízo. Além disso, manifestou que todas as informações solicitadas a Guimaro “foram prestadas no bojo do Inquérito Policial que foi presidido pela Polícia Federal em Brasília”.
As defesas dos demais citados na reportagem foram procuradas, mas não responderam até a publicação.