Tios que trocaram a própria sobrinha por cesta básica em uma aldeia indígena localizada no município de Antônio João, em 2009, foram condenados agora em outubro de 2025, pelo crime de estupro de vulnerável, conforme atuação do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
A 3ª Câmara Criminal do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) rejeitou, por unanimidade, as apelações interpostas pelos réus e manteve a sentença que fixou penas somadas em 22 anos de reclusão.
Na ocasião do crime (ano de 2009), a menina foi retirada da família, com quem morava em uma aldeia indígena no Paraguai, e levada para morar com os tios – um homem e uma mulher – em Antônio João, em razão das violências físicas que sofria dos pais alcoolistas. O casal registrou a menina como filha no Cartório de Registro Civil e Tabelionato do município.
A criança, segundo os autos, era submetida a maus-tratos físicos e psicológicos. Em junho daquele ano, o casal permitiu que a jovem fosse levada por um homem, à época com 40 anos, parente da mulher. Ele já frequentava a residência e insistia para que a vítima fosse morar com ele como sua “esposa”, alegando que lhe daria comida e roupas. Os tios então a entregaram em troca de uma cesta básica, prática que resultou em grave violação de direitos.
No mesmo dia em que se mudou para a casa do homem, e durante os quatro dias em que permaneceu no local, a vítima foi violentada sexualmente, conforme comprovam os laudos periciais. Os fatos só vieram à tona alguns dias depois, durante uma visita de um agente de saúde, que observou que a criança tinha dificuldade para sentar e andar, apresentando sinais compatíveis com violência sexual. O caso foi comunicado ao Conselho Tutelar do município.
O processo levou tempo até chegar à fase de julgamento, principalmente porque os acusados alteravam seus endereços e se utilizavam da travessia da fronteira para não serem localizados. Apesar do transcurso do tempo, as provas colhidas – em especial, o depoimento da própria vítima – deram força à acusação, culminando na condenação dos acusados.
Em primeira instância, os três réus foram condenados a uma pena total de 22 anos e oito meses de reclusão, em regime fechado. A mulher e o homem responsável pelos abusos foram condenados a sete anos e dois meses cada um; já o tio da criança recebeu pena de oito anos e quatro meses.
Nas apelações, os réus alegaram nulidade por suposta falha na tradução durante o processo; absolvição por falta de provas; reconhecimento de erro de proibição (sob o argumento de que, por se tratar de indígenas, não tinham consciência da ilicitude da conduta); redução da pena; aplicação da atenuante prevista no Estatuto do Índio; e fixação de regime prisional mais brando.
A 3ª Promotoria de Justiça de Ponta Porã defendeu nas contrarrazões a manutenção das condenações pelos crimes de estupro de vulnerável e registro falso, rechaçando as alegações de nulidade e os pedidos de absolvição. O MPMS sustentou que as provas confirmam os abusos e a omissão dos tios, afastando a tese de erro de proibição cultural, uma vez que a comunidade indígena envolvida é plenamente integrada à sociedade.
Por unanimidade, a Corte rejeitou as teses defensivas de nulidade, insuficiência de provas e erro de proibição, reconhecendo a gravidade das condutas e a plena integração social dos envolvidos. Com isso, foram mantidas as penas e o regime fechado de cumprimento, reafirmando o compromisso institucional do MPMS com a proteção da infância e o combate à violência sexual.