O homem que se apresentava como pastor e missionário foi condenado nesta terça-feira (9/12), pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Dourados, por estelionato. Ele utilizava a fé para obter vantagens econômicas prometendo curas físcias impossíveis, como o desaparecimento imediato de cicatrizes e a reconstrução de órgãos.
A sentença acolheu a tese da acusação apresentada pelo Promotor de Justiça João Linhares Júnior, de que o réu utilizou sua posição de autoridade religiosa para enganar e iludir a vítima. O magistrado reiterou que o teor do julgamento consiste nos tais atos e, não a crença.
“É fundamental esclarecer que não se está julgando a crença ou a atividade sacerdotal, garantias constitucionais irrevogáveis, mas sim a exploração maliciosa da fragilidade humana. O réu utilizava encenações publicitárias para atrair pessoas com enfermidades incuráveis e, quando o 'milagre' não ocorria, as revitimizava, alegando falta de fé. O cenário revelou uma lógica de que 'quanto maior a doação, maior a graça', levando fiéis a entregarem bens valiosos e até crianças a doarem suas economias”, detalhou João Linhares.
O "Modus Operandi"
Conforme a denúncia oferecida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o crime ocorreu em 2016. O acusado mantinha canais no YouTube e Facebook onde postava vídeos de supostos milagres, com títulos sensacionalistas como "Ele ora e cicatrizes desaparecem", "Cega de nascença volta a enxergar" e "Mulher tem seio reconstruído na hora".
Atraída por essas promessas, uma vítima de Dourados, que possuía uma cicatriz na perna que lhe causava abalo emocional, entrou em contato com o autor. Ele afirmou ter o dom de "curas e maravilhas" e convenceu a vítima a custear sua viagem do interior de São Paulo para Mato Grosso do Sul, sob o pretexto de realizar o "milagre" pessoalmente.
A vítima desembolsou cerca de R$ 1.680,00 apenas com custos de viagem e hotel para o réu e sua família, além de outras despesas que totalizaram prejuízos estimados em R$ 4 mil. Durante os cultos realizados em Campo Grande, o réu submeteu a vítima a situações vexatórias, expondo sua cicatriz aos demais presentes e, diante da não ocorrência da cura, culpava a própria fiel, alegando que ela era "pecadora" ou não tinha fé suficiente.
Em sua decisão, o magistrado refutou a tese da defesa de que os valores seriam meras doações religiosas voluntárias. A sentença destacou que "a promessa de cura por meio de orações e atos religiosos, quando vinculada à exigência de pagamento (...), caracteriza-se o elemento essencial do estelionato: a fraude".
O Juiz ressaltou ainda que, embora o Estado não deva interferir na liberdade de crença, o Direito Penal não pode ignorar o uso da fé alheia para auferir benefícios indevidos mediante promessas falsas. Ficou comprovado que o réu agiu com dolo preordenado, prometendo um resultado (o desaparecimento da cicatriz) que sabia ser impossível, apenas para enriquecer às custas alheias.
O autor foi condenado à pena de um ano de reclusão e pagamento de dez dias-multa, em regime inicial aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da condenação.