Após áudio da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, morta pelo ex-noivo, em Campo Grande, apontar ‘descaso’ no atendimento recebido na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), local onde procurou ajuda e solicitou medias protetivas contra o autor, o diretor-geral da PC (Polícia Civil), Lupérsio Degerone Lúcio, tem tentado conter as severas críticas recebidas da imprensa não só de Mato Grosso do Sul, mas também do Brasil, e até mesmo do Ministério das Mulheres.
Na mesma conversa a vítima relatou que o noivo estava sendo protegido e que foi mandada de volta para casa sem apoio. O áudio foi divulgado pelo site Campo Grande News.
“Eu fui falar com a delegada e explicar toda a situação. Ela me tratou bem fria, seca, toda hora me cortava. Eu queria ver o histórico da pessoa [Caio] e falou para mim que não podia passar”. Na sequência, a delegada teria dito que Vanessa já sabia dos históricos de agressões de Caio, conforme relatado por ela e informado pelo portal.
Depois, Vanessa relatou à delegada que Caio mandava mensagens informando que conversava com o sogro e que não conseguia falar com ela. Conforme a fala, Vanessa estava há dois dias fora de casa, sem tomar banho. Nisso, a delegada disse: “Então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para ele [Caio] deixar a casa”.
No final, Vanessa cita que está decepcionada e esgotada mentalmente. “Eu estou me sentindo culpada, porque eu fui registrar o BO [boletim de ocorrência]. Eu estou bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá. Essas que vão para a estatística do feminicídio”, lamentou a jornalista, morta a facadas quando retornou para o imóvel na presença de um amigo, para pegar seus pertences.
A fala da jornalista contradiz o afirmado pela delegada titular da Deam, Elaine Benicasa e pela adjunta, Analu Ferraz, durante entrevista coletiva realizada no dia seguinte ao fato.
À imprensa que foi dado todo suporte à Vanessa, mas que ela não teria aceitado e que decidiu ir por conta própria à casa. “Às vezes a gente não acredita na potencialidade do agressor ou a gente não imagina que isso vai acontecer com a gente. Todo agressor de violência doméstica é um potencial feminicida”, disse Analu.
O delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Lupérsio Degerone Lúcio se posicionou sobre os relatos divulgados em áudio. Ele afirma que a “Polícia Civil está e estará sempre do lado da vítima e dos familiares. Externamos a nossa solidariedade”.
Leia a nota divulgada por ele, na íntegra:
Senhores Diretores de Departamento, Coordenadores, Assessores e Delegados Regionais
Boa noite,
Venho por meio do presente, solicitar os bons préstimos de Vossas Excelências no sentido de encaminhar para conhecimento de nossos Delegados de Polícia, Investigadores de Polícia Judiciária e Escrivães de Polícia Judiciária esta breve reflexão e apelo.
O momento que atravessamos exige de todos nós um olhar atento e comprometido com a nossa missão institucional. O trágico feminicídio que vitimou a jornalista Vanessa Ricarte gerou uma comoção sem precedentes, tanto entre seus pares de profissão quanto na sociedade em geral.
Esse episódio, que culminou na perda irreparável de uma vida inocente, requer uma profunda reflexão sobre nossos procedimentos, métodos e protocolos de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, de forma a buscarmos o aperfeiçoamento dos serviços e a efetividade da rede de proteção à mulher vítima de violência doméstica.
Ocorre que nesse momento de luto e comoção social, são inúmeros aqueles que se levantam em severas críticas ao atendimento prestado pela Polícia Civil por meio da DEAM, bem como ao protocolo estabelecido e aplicado atualmente pela rede de proteção, solicitando providências dos Governos Federal e Estadual para que fatos dessa natureza não mais ocorram.
Em meio a esse cenário, temos presenciado embates desnecessários entre policiais e críticos da atuação institucional, seja por meio de postagens, comentários ou respostas em plataformas digitais.
Nesse diapasão, faz-se imperativo conclamar a todos para que direcionemos nossos esforços à análise técnica dos fatos e de todas as circunstâncias que o cercam, em busca de soluções efetivas para o aprimoramento dos serviços prestados às mulheres vítimas de violência doméstica. Este não é o momento de embates, mas sim de respeito à dor, ao luto, à indignação pela perda de uma vida e de uma profunda reflexão para o aperfeiçoamento institucional.
Diante desse contexto, nosso compromisso, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e do Governo do Estado estão voltados à identificação de pontos de melhoria e aperfeiçoamento, à revisão de protocolos e à implementação de estratégias que fortaleçam a proteção das vítimas, garantindo-lhes maior segurança e efetividade nas medidas adotadas.
Portanto, sugerimos a todos os delegados de polícia, investigadores e escrivães a se unirem nesse propósito, abstendo-se de qualquer tipo de manifestação sobre o feminicídio que vitimou Vanessa Ricarte em sites e plataformas digitais a título de reação ou refutação de críticas e comentários de qualquer ordem, estando certos de que a Administração Superior da Polícia Civil está adotando as medidas necessárias em prol do aperfeiçoamento e fortalecimento da instituição e de suas carreiras nesse momento crítico.
Atenciosamente, Lupérsio Degerone Lúcio
Delegado-Geral da Polícia Civil