O crime aconteceu em abril de 2003, durante um suposto assalto. Após 17 anos, Neno decidiu relevar o que realmente aconteceu.
Uma amizade de 40 anos marcada por traições, ameaças, tiros e até acusação de assassinato. Assim é a relação entre o advogado Antônio Franco da Rocha, de 83 anos e o empresário Eliseu Nunes da Silva, conhecido como “Neno”, que na manhã de ontem confessou ter tentado matar o amigo na última terça-feira (18), em Dourados.
Conforme apurado pela reportagem, a relação entre o advogado e o empresário vai muito além de “negócios comerciais”, envolve também esquemas ilegais que só ficaram claros no começo deste ano, quando Neno procurou a polícia para denunciar Rocha como mandante do assassinato da ex-mulher: Magdalena da Câmara Rocha.
O crime aconteceu em abril de 2003, durante um suposto assalto. Após 17 anos de silêncio, Neno decidiu relevar o que realmente acontece naquele ano e em janeiro veio para a Capital, onde prestou depoimento sobre tudo que se lembrava da época. Com isso, a investigação do caso, que foi arquivado em 2013 sem autoria definida, foi reaberta.
Nos detalhes - Para entender os motivos que levaram Neno a quebrar o silêncio e apontar Rocha como mandante do assassinato da própria esposa, é preciso falar do que levou ao rompimento da amizade entre os dois.
Em dezembro do ano passado, Neno descobriu que a mulher mantinha um caso com o amigo há mais de um ano. O casal separou, mas os desentendimentos entre o empresário e o advogado se tornaram frequentes.
Por conta disso, Neno procurou a polícia por suas vezes para registrar ameaças feitas por Rocha, a ele e aos filhos. O medo de ser a “próxima vítima” do advogado fez com que o empresário decidisse contar sobre a morte da “Dona Magdalena”. É isso que ele conta a polícia de Campo Grande no dia 13 de janeiro deste ano.
O Campo Grande News teve acesso a gravação do depoimento. No vídeo, Neno justifica que as ameaças contra ele são constantes e que mais de uma vez, o assassinato de Magdalena foi usado como “exemplo” do que poderia acontecer caso ele atrapalhasse os planos de Rocha e da ex-mulher. “Toda a vida ele me ameaçou. Eu tinha medo”, diz em trecho da confissão.
Em pouco mais de 30 minutos, o empresário conta que após a separação com Magdalena, Rocha queria todas as joias que deu a ela nos anos de relacionamento de volta, por isso, armou um assalto a casa da ex. A primeira tentativa aconteceu meses antes do assassinato. Com ajuda de Neno, um chaveiro foi contratado para destrancar a residência, pegar e abrir um cofre da família. Isso aconteceu no ferro velho do empresário.
Na data, pouca coisa foi encontrada, então o cofre foi descartado e um novo crime arquitetado. Neno afirma que no dia do falso assalto recebeu uma ligação de Rocha. Por telefone, o advogado explicou que precisava de um carro. Como era sócio de uma locadora de veículos, o empresário conseguiu um Fiat Uno para o amigo e o levou até ele.
Lá, conta, encontrou dois homens “vindos do Paraná”. Foi enquanto ouviu detalhes do plano contra Magdalena. A ordem, segundo ele, era fazer a mulher de 70 anos contar onde as joias estavam, não importava como. Rocha até sugeriu a melhor maneira de fazer isso. “Se ela não entregar, bate com uma madeira nas pernas dela”, teria dito.
A dupla contratada para o serviço chegou a questionar se entrariam na casa “de cara limpa” e receberam ajuda de Neno e da esposa, que entregaram meias calças para eles produzirem toucas. Depois disso, foram embora para uma fazenda e quando retornaram descobriram que a idosa estava “morre não morre” no hospital.
Neno afirmou que imediatamente ligou para o amigo a fim de descobrir o que aconteceu. Em resposta ouviu: “foi o Rocha, fui eu que fiz, foi o Rocha”. Depois do crime, os autores usaram o carro entregue pelo empresário para fugir de Mato Grosso do Sul. Funcionários da locadora precisaram buscar o Uno no interior do Paraná.
Diante da polícia, o empresário disse, mais de uma vez, que se “afastou” de Rocha após o episódio. Mas aos poucos solta detalhes que provam ao contrário. Exemplo é quando conta ter certeza que o amigo anda armado por ter sido ele mesmo a emprestar um “revólver 32, cinco tiros” para ele há cerca de um ano. “Eu emprestei e ele nunca devolveu. É o mesmo revólver que meu filho viu com ele”.
17 anos de dúvidas – Na noite de 24 de abril de 2003, Magdalena foi internada em estado grave por ter levado várias pauladas na cabeça e morreu dias depois. Até o filho dela, que morava na casa, foi investigado pelo assassinato, mas o autor nunca foi descoberto. Após 10 anos, o caso foi arquivado.
“Eu protegia minha mulher, eu protegia os meus filhos ficando quieto, de boca calada. Quando foi agora que aconteceu tudo isso, eu to aqui, para mim esse cara não pode ficar impune. Daqui uns dias vai aparecer eu morto, meus filhos mortos, quem foi? A dona Magdalena, não foi. Não apareceu até hoje quem matou a dono Magdalena”, justificou.
O depoimento de Neno fez a DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio) reabrir as investigações. Para confrontar a versão contada pelo empresário, testemunhas que trabalhavam com ele na época foram ouvidas e um pedido de busca e apreensão nas fazendas de Rocha foram feitas a justiça de Dourados.
A intenção era encontrar materiais levado da casa de Magdalena nos dois furtos feitos na época, mas o juiz negou o pedido por entender que não havia fundamentação para novas ações policiais. O Ministério Público recorreu da decisão e a necessidade de busca e apreensão foi para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, onde mais uma vez foi recusado.
Menos depois meses depois da “derrota” nos tribunais, Neno foi até o escritório de Rocha, esperou que ele saísse para o almoço e disparou várias vezes em sua direção. Ele fugiu em seguida e o advogado foi socorrido com ferimentos na altura da cintura. Na manhã de ontem, o empresário se apresentou, confessou o crime e foi liberado. O caso é tratado como homicídio qualificado.
GEISY GARNES - CAMPO GRANDE NEWS