No último dia 13 de julho o Governo do Mato Grosso do Sul publicou dois Editais de Processo Seletivo Simplificado destinados à contratação de Peritos Criminais e Peritos Médicos Legistas para atuar em diversas unidades da Coordenadoria-Geral de Perícias. Trata-se de um enorme risco à persecução penal que certamente gerará impunidade, seja pela ilegalidade da referida contratação, seja pela falta de qualificação, treinamento e comprometimento dos “peritos” que serão contratados.
Os Peritos Criminais e os Peritos Médicos Legistas são Peritos Oficiais de Natureza Criminal, cuja atuação é regida pelo Código de Processo Penal e pela Lei Federal nº 12.030/2009. Ambas as Leis colocam a Perícia Oficial de Natureza Criminal como atividade típica de estado. Ou seja, deve ser realizada por servidores concursados, tanto para manter a isenção na materialização das provas periciais, quanto para garantir a punição administrativa dos desvios que porventura ocorram, pois os peritos obedecem as mesmas regras de incompatibilidade e impedimento dos juízes.
O concurso público para perito criminal é sempre muito concorrido e exige meses ou anos de preparação por parte dos candidatos, sobretudo nos últimos anos, depois da grande exposição na mídia de séries como CSI (Crime Scene Investigation), que colocam a perícia como fundamental para a resolução de crimes. Em um concurso público são avaliados incontáveis aspectos, desde o conhecimento teórico para a realização da prova, passando pela avaliação da capacidade de concatenar ideias na redação, até a realização das últimas etapas de aptidão física e psicológica. Somente após a aprovação em todas estas etapas, o candidato passa pelo curso de formação (em alguns Estados esta fase ainda faz parte do concurso) para, após a sua aprovação, começar a atuar devidamente acompanhado até ter a segurança e experiência necessárias para realizar o seu trabalho “sozinho”.
A forma de contratação prevista no Mato Grosso do Sul, que não se trata de concurso público, contempla somente a avaliação de documentos entregues por candidatos em um prazo de 3 (três) dias, e a titulação acadêmica (graduação, pós-graduação e extensão) compõe 82% da pontuação total, restando somente 18% para a avaliação da experiência profissional. Após a classificação na avaliação curricular (documental), o candidato passará por um curso de formação de 13 dias com caráter eliminatório somente por frequência, ou seja, o candidato que frequentar mais de 90% das aulas – no máximo uma falta – será considerado habilitado para exercer a função de Perito Criminal ou Perito Médico Legista Temporário.
Além da evidente falta de avaliação e treinamento dos futuros “peritos”, temos que considerar o que foi relatado por gestores de outros Estados que já realizaram este tipo de contratação, como Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Um dos problemas identificado foi a falta comprometimento dos profissionais contratados. Por não terem como progredir na carreira, não se preocupam em melhorar os serviços prestados e, quanto mais se aproxima o final dos seus contratos, mais deixam laudos pendentes, prejudicando os já escassos servidores efetivos, que acabam tendo que resolver este problema fazendo laudos de casos que não atenderam. Tudo isso afeta a persecução penal, seja pela falta de qualidade dos laudos emitidos, seja pelo atraso na emissão dos mesmos.
Considerando que existe autorização do governador Reinaldo Azambuja (PSDB) para realização de concurso para estes cargos publicada em decreto de abril de 2018, há mais de dois anos, não é possível aceitar o argumento de que existe uma urgência imprevista que justifique tal contratação temporária. Aliado ao fato de que o salário ofertado para os peritos temporários é exatamente o mesmo dos peritos contratados por concurso, descarta-se também a hipótese de economia aos cofres públicos. Muito pelo contrário, pois quando encerrado o contrato destes “peritos”, outros deverão ser contratados e novamente treinados, resultando em aumento do custo para manutenção deste serviço a longo prazo.
Resumindo, a contratação de “peritos” de maneira temporária, sem concurso, com avaliação somente documental, com treinamento precário, sem ter como progredir na carreira, sem ter como punir administrativamente desvios de conduta após o fim do contrato que já tem data de encerramento prevista, é tão absurda quanto cogitar a contratação temporária de delegados, promotores ou juízes.
*Leandro Lima, presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC)