Depois que ele partiu, ficou um buraco. Não só na poltrona onde passava a tarde coçando a barriga, mas na ordem silenciosa das coisas. O tempo passou, mas ninguém nunca mais ocupou aquele lugar com a mesma autoridade tranquila de quem falava pouco, mas dizia tudo.
Foi aí que o silêncio se quebrou.
Não era o filho mais velho, nem o mais sensato, mas foi quem decidiu assumir o comando. O cunhado. Aquele que nunca teve muito espaço, mas que, com o tempo, começou a se comportar como se fosse o herdeiro legítimo da tradição — da casa, das decisões, da narrativa da família. Deu ordens, subiu o tom, convocou reuniões como se estivessem em alguma espécie de conselho familiar. Tudo em nome da “memória” do sogro, claro. Mas a verdade é que ninguém sabe ao certo o que move as pessoas: saudade, ego… ou uma mistura dos dois com um toque de poder que nunca tiveram e, agora, enfim, saboreiam.
O resto da família? Vive num looping de abraços frouxos e sorrisos cansados. Se encontram aos domingos pra tirar foto com legenda de “gratidão” e “amor que não se mede”. Na segunda, já estão repassando prints e áudios um do outro, cheios de críticas mal disfarçadas de opinião sincera.
É uma união meio Frankenstein: pedaços remendados, costurados por obrigações e velhos ressentimentos. Todo mundo tem mágoa de alguém, mas faz questão de segurar o copo e brindar, porque afinal, “família é tudo”. Mas ninguém diz o que esse “tudo” significa. Talvez seja tudo de falso, de mal resolvido, de não dito.
E o cunhado segue lá, firme, com ares de patriarca por adesão, como quem acredita que herdou um cargo, não um luto.
Até que veio o velório seguinte.
Não, ele não morreu. Foi pior: perdeu o controle. Uma frase atravessada aqui, um segredo escancarado ali… e, de repente, tudo o que parecia estruturado desmoronou com a leveza de um castelo de cartas. Aquelas mesmas pessoas que sorriam ao redor dele passaram a evitá-lo como se carregasse algum vírus da verdade.
No fim, ele ficou com o que queria: um trono.
Mas era um trono vazio, frio, isolado — cercado por paredes que ele mesmo ergueu. E a tal “família”, essa que ele jurava proteger, se dividiu em grupinhos de WhatsApp, blocos de notas e indiretas nas redes sociais.
Parece tragédia, mas é só cotidiano mesmo. Afinal, o drama é sempre mais sutil quando acontece dentro de casa.