Sancionado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o principal instrumento normativo do Brasil sobre os direitos da criança e do adolescente. O ECA incorporou diversos avanços nos direitos da criança e do adolescente defendidos e propostos na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, firmada em 1989, e concretizou o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Considerado um marco nos direitos da infância no Brasil, o ECA assegura a proteção individual e integral da criança e do adolescente, reconhecendo-os como sujeitos de direitos e reafirmando a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado em garantir as condições necessárias para seu pleno desenvolvimento físico e mental, além de protegê-los de qualquer forma de exploração, violência ou discriminação. Resultado de uma intensa mobilização social e de amplos debates, o ECA é fruto de uma construção coletiva que envolveu diversos setores da sociedade.
A promulgação do Estatuto marcou uma ruptura em relação ao antigo Código de Menores, instituído em 1979 e revogado em 1990, considerado punitivista e segregacionista por priorizar a institucionalização sem reavaliação de medidas e a retirada de crianças e adolescentes de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O ECA, por sua vez, foca na proteção do núcleo familiar e na reabilitação por meio da educação, na revisão obrigatória das medidas socioeducativas a cada seis meses, além de ter estabelecido a criação dos Conselhos Tutelares e a inclusão de psicólogos e assistentes sociais no sistema.
Por ser um marco civilizatório inovador e avançado, o ECA ultrapassou as fronteiras do Brasil e tornou-se referência em diversas convenções e congressos internacionais, influenciando documentos semelhantes e reformas de políticas públicas em diversos países da América Latina, o que reforça sua posição como um modelo reconhecido no âmbito da proteção integral dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Completando três décadas e meia de vigência, o ECA continua sendo atualizado de acordo com as transformações sociais e os novos desafios que delas decorrem. Em 2012, foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a execução de medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem atos infracionais. Já em 2016, foi estabelecida a Lei da Primeira Infância, que prevê o dever do Estado de implementar políticas, planos, programas e serviços voltados a essa fase da vida, atendendo às especificidades dessa população.
Dessa forma, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) exerce um papel fundamental na defesa e proteção dos direitos assegurados pelo ECA, por meio de uma atuação articulada e estratégica voltada ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes em todo o Estado. Com base em sua atribuição constitucional de proteção aos direitos fundamentais, o MPMS mantém núcleos especializados, como o da Educação (Nued) e o da Infância e Juventude (Nuij), que monitoram, fiscalizam e cobram a implementação efetiva de políticas públicas voltadas à proteção infantojuvenil.
O MPMS atua em diversas frentes com a finalidade de assegurar a efetivação dos direitos da infância e juventude, como o enfrentamento à evasão escolar, o monitoramento do déficit de vagas em creches e pré-escolas, a defesa da educação inclusiva e o acompanhamento de casos de violação de direitos. Além disso, o MPMS promove ações judiciais que visam garantir o acesso à saúde, o direito à convivência familiar e comunitária, e a proteção contra qualquer forma de violência, exploração ou negligência, reforçando seu compromisso com a proteção integral das crianças e adolescentes de Mato Grosso do Sul.
O ECA representa um dos mais importantes marcos na consolidação dos direitos humanos no Brasil, ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e estabelecer mecanismos concretos para sua proteção integral. Nesse contexto, o MPMS desempenha um papel essencial como garantidor desses direitos, atuando de forma firme e estratégica para assegurar que os princípios do ECA sejam efetivados em todas as instâncias. Por meio da fiscalização de políticas públicas, da promoção de ações judiciais e do trabalho de núcleos especializados, o MPMS reafirma seu compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, segura e inclusiva para as futuras gerações.
Caso emblemático
A proteção integral à criança em ambientes educacionais está garantida no ECA, por meio da Lei nº 13.722/2018, também chamada Lei Lucas, nomeada em alusão à morte de Lucas Begalli, de dez anos, que faleceu por asfixia em um passeio escolar, onde não recebeu atendimento imediato. No entanto, apesar da existência da lei, ela não era aplicada de maneira efetiva em Mato Grosso do Sul. O objetivo da lei é garantir que os profissionais da educação estejam aptos a atuar em situações emergenciais até a chegada do socorro especializado, protegendo a integridade física e a vida dos estudantes.
Em junho de 2024, após o falecimento de uma criança de três anos por engasgamento com um pedaço de bolo em uma creche no município de Naviraí, o MPMS instaurou um Procedimento de Gestão Administrativa (PGA) endereçado a todos os Promotores de Justiça com atribuição na área da infância e juventude, com modelo de recomendação para envio às escolas das redes municipal e privada. A iniciativa buscou garantir a efetiva implementação da capacitação obrigatória nas redes estadual e municipal de ensino.
A ação do MPMS representou um esforço significativo e estruturado, por meio do Nued, para garantir a efetivação da Lei Lucas em MS. Após isso, foi firmado um termo de compromisso com a Secretaria de Estado de Educação (SED) e foi estabelecida uma parceria com o Corpo de Bombeiros Militar de MS (CBMMS). Todas as escolas estaduais de MS foram contempladas com capacitações em primeiros socorros, com participação de professores, gestores escolares e funcionários.
Com o sucesso da iniciativa na rede estadual, o Município de Campo Grande solicitou apoio do MPMS para implementar a Lei Lucas nas instituições de ensino municipais, com a finalidade de capacitar todos os profissionais da rede municipal e com a expectativa de expandir a ação aos demais 78 municípios do Estado.