A desigualdade socioeconômica no Brasil, lamentavelmente é gigantesca. Mais de 70% da população é assalariada e milhares de famílias vivem com renda abaixo de meio salário mínimo. E nessa guerra pela sobrevivência assistimos diariamente as dificuldades e sacrifícios de pais e mães para conseguir o pão de cada dia.
É o caso da senhora Ediran R. Passos, uma favelada expulsa recentemente da “Área do Linhão”, no Bairro Noroeste em Campo Grande. Levada com outras quase 100 famílias para uma área pública situada no extremo leste do mesmo bairro com a promessa de que receberiam toda ajuda para morar com dignidade. Foi-lhes prometido inclusive que receberiam kits de materiais de construção para substituir as madeiras, lonas e metais encontrados em lixos e entulhos, e que compunham suas paredes e janelas. Nada disso receberam. Foram iludidas e abandonadas pelo poder público e perdidas de vista por aqueles que antes as ajudavam.
O novo local de morada, recebeu logo o nome de “Comunidade Aguadinha”, uma área sem iluminação pública, sem transporte coletivo e distante há mais de 20 quarteirões da área comercial do Noroeste. É ali que dona Ediran luta pela sobrevivência de sua família. Mesmo conformada com o isolamento e a distância de sua nova “casa”, ela chora pela quebra das rodas de seu carrinho de mão, que empurra, junto com o marido, para juntar materiais recicláveis de onde tiram seu sustento. Um de seus maiores desejos é o de receber a doação de novas rodas para recuperar sua ferramenta de trabalho.
Com a voz apertada e segurando um choro profundo e desesperador, caminha para dentro de seu barraco de paredes e tetos remendados, para falar de seu segundo objeto de desejo: Um simples fogão. Ela se utiliza de um instrumento que encontrou no lixo, uma espécie de aquecedor elétrico, retirado sabe-se lá de que aparelho. Diante dele mostra como faz para aquecer a plataforma de metal, se utilizando da energia elétrica, com fios descascados nas pontas. Assim ela começa o processo de cozimento dos alimentos. Confessa que nesse trabalho demorado e perigoso já levou fortes choques e teme operá-lo em tempo de chuva, quando as águas invadem a casa pelo chão, teto e paredes.
Em seguida ela se vira para o lado, a menos de dois metros do “fogão” para mostrar onde poderia ficar seu terceiro objeto de desejo, um local improvisado que de longe lembra uma cama.
O drama de dona Ediran e das outras famílias que também vivem em condições sub-humanas nos remetem a inúmeras reflexões. A principal delas é a de que Deus é mesmo grandioso e sábio ao estabelecer como segundo mandamento o de amar ao próximo como a nós mesmo, pois somente com esse espírito podemos ajudar todos aqueles que necessitam.
Mas não pense que dona Ediran se sente uma derrotada, o ser mais sofrido existente na face da Terra, como muita gente que sofre, muitas vezes se acha. Mesmo sem seus 3 objetos de desejo, ela antes de se deitar, eleva as mãos aos céus pelo privilégio que tem de ter esperança e força para poder lutar, mesmo com todas as dificuldades do mundo, pelo pão de cada dia.
Esse mesmo sentimento de gratidão é que falta no espírito e coração de tantos e tantos indivíduos que perambulam por toda Terra. Inclusive daqueles que juntaram conquistas de toda ordem, e que ainda assim ousam se sentir inconformados materialmente e, consequentemente, espiritualmente. Não conseguem valorizar o que são e o que já possuem. Por conta desse inconformismo, entram em depressão e desespero.
Consciente desse mal, agravado por esses tempos modernos e capitalista, que incentivam um consumismo voraz e ilimitado, ensinei meus dois filhos, Nilson Felipe (31) e Maria Ritha (28), quando crianças (9 e 6) a fazer doação de roupas e seus brinquedos usados e mesmo aqueles parcialmente danificados.
Ainda me recordo que quando falei sobre o assunto, eles me questionaram dizendo que nenhuma criança iria querem brinquedos assim. Era a deixa que queria para dar-lhes uma grande lição. Pedi apenas que observassem bem os olhos de todos aqueles presenteados. Fomos a uma comunidade bem pobre, na periferia da cidade e logo quando chegamos, apareceram elas, diversas crianças, atraídas por aqueles 3 personagens com grandes sacolas nas mãos.
Instantes depois os dois estavam distribuindo, de mãos em mãos seus presentes e confirmaram logo que eu estava coberto de razão, pois a alegria das crianças veio acompanhada de gritos de euforia e correria para mostrar a todos o que tinham de tão belo recebido.
A lição lhes serviu muito. Hoje, minha filha, engenheira entre outras formações, junta, de quando em quando, grandes sacolas de roupas e outros utensílios que normalmente poderiam ficar como em outras casas, anos e anos apenas guardados, e sai com eles para doação. Nilson Felipe, técnico em química, também tem um grande coração.
É esse sentimento que precisa aflorar no espírito e mente de todas as pessoas, em obediência a Deus, que nos manda cuidar e amar o próximo. A esse respeito o Senhor também é direto e objetivo: “Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver alimentos, faça da mesma maneira” (Lc. 3:11). Se agirmos assim, certamente realizaremos com facilidade os três simples desejos de dona Ediran, essa humilde favelada.