Pesquisador relata que medidas adotadas nos últimos anos estão mais focadas em mitigar os gases do efeito estufa; Foto: Mario Oliveira/MTUR
A conscientização sobre os riscos climáticos e as ações para reduzi-los aumentaram globalmente. A implementação de medidas de adaptação, contudo, ainda é insuficiente diante da magnitude dos impactos das mudanças climáticas que já têm sido observados em todas as regiões habitáveis do planeta e que podem se agravar em um cenário de aquecimento global acima de 1,5 ºC dos níveis pré-industriais.
Segundo a Agência Fapesp, a avaliação é de um grupo internacional de cientistas autores do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
De acordo com Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor-líder do capítulo 12 e do capítulo especial sobre florestas tropicais do relatório, “há uma série de medidas que foram adotadas nos últimos anos em diferentes regiões do mundo com o objetivo de reduzir os riscos climáticos, mas que estão mais associadas à mitigação, como a redução das emissões de gases de efeito estufa”.
“As medidas de adaptação, porém, têm sido muito pontuais e localizadas”, complementa Ometto, que também é membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.
Durante a avaliação dos autores da publicação, os governos nacionais e locais, bem como as empresas e a sociedade civil, têm reconhecido a crescente necessidade de adaptação às mudanças climáticas. Ao menos em 170 países, dentre eles o Brasil e muitas cidades, como São Paulo, incluíram a adaptação em suas políticas e processos de planejamento relacionados ao clima.
O progresso desse tema, no entanto, tem sido desigual e há grandes lacunas entre as medidas de adaptação tomadas e as que são necessárias em muitas regiões do mundo, especialmente em países com menor renda. Essas lacunas são causadas pela falta de financiamento, compromisso político, informações confiáveis e senso de urgência. Deixando as pessoas e ecossistemas mais vulneráveis a serem atingidos pelos impactos das mudanças do clima. “A adaptação tem de ser uma ação objetiva e efetiva. E para que aconteça é preciso primeiro reconhecer que os impactos das mudanças climáticas já estão ocorrendo”, diz o pesquisador.
Além disso, há também grandes lacunas na compreensão da adaptação às mudanças climáticas, como quais ações têm o potencial de reduzir o risco climático e se podem ter consequências não intencionais ou efeitos colaterais, causando uma maior quantidade de malefícios do que benefícios, chamadas de má adaptação. Entre essas ações está a construção de muros marítimos, que podem proteger em curto prazo áreas costeiras do avanço do mar, mas podem destruir durante as obras, ecossistemas inteiros, como recifes de coral. “A má adaptação pode ser evitada com planejamento e implementação de ações de adaptação flexíveis, multissetoriais, inclusivas e de longo prazo, com benefícios para muitos setores e sistemas”, ressaltam os cientistas.
Limites à adaptação
Os autores do relatório também apontam que a adaptação é essencial para reduzir danos, porém, para ser eficaz, deve ser acompanhada de reduções ambiciosas das emissões de gases de efeito estufa uma vez que, com o aumento do aquecimento, a eficácia de muitas opções de adaptação diminui ou pode tornar-se inviável.
“Há algumas regiões no mundo que já estão vivendo uma situação de não retorno, apresentando uma margem de manobra para adaptação muito baixa”, diz Ometto.
A pobreza e a desigualdade, são questões sensíveis a países como o Brasil, também impõem limites de adaptação significativos, resultando em impactos inevitáveis para mulheres, jovens, idosos, minorias étnicas e religiosas, além de povos indígenas e refugiados, destacam os cientistas. “A desigualdade, não só socioeconômica, mas também de acesso a serviços básicos como água e saneamento, aumenta a vulnerabilidade de núcleos sociais. Sociedades com altos níveis de desigualdade são menos resilientes às mudanças climáticas”, aponta o pesquisador.
De acordo com números apresentados no relatório, quase metade da população global, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas, vivem hoje em países com alta vulnerabilidade humana a mudanças climáticas. Concentrações globais de alta vulnerabilidade estão surgindo em áreas transfronteiriças, ou seja, que abrangem mais de um país como resultado de questões interligadas relativas a saúde, pobreza, migração, conflito e desigualdade.
Com início em 2008, mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo foram deslocadas anualmente por condições extremas relacionadas a eventos de clima, sendo tempestades e inundações as causas mais comuns. “A diminuição da disponibilidade de água e da capacidade de cultivo agrícola em algumas regiões já tem induzido movimentos migratórios em algumas regiões do mundo”, afirma Ometto.
Globalmente, a exposição a impactos causados pelo clima, como ondas de calor, precipitação extrema e tempestades, em combinação com a rápida urbanização e falta de planejamento estão aumentando a vulnerabilidade de populações urbanas marginalizadas.
A pandemia de Covid-19 deverá aumentar as consequências adversas das mudanças climáticas, uma vez que os impactos financeiros levaram a uma inversão nas prioridades e restringiram a redução da vulnerabilidade, indica o relatório.