O desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), afastou nesta quinta-feira (16) Ednaldo Rodrigues da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A decisão anulou o acordo que havia validado a reeleição do dirigente em março deste ano e determinou a nomeação de Fernando Sarney, um dos vice-presidentes da entidade, como interventor com a missão de convocar novas eleições "o mais rápido possível".
Segundo o magistrado, o acordo que permitiu o pleito — assinado por cinco dirigentes, entre eles o ex-presidente Antônio Carlos Nunes de Lima, o Coronel Nunes — foi invalidado devido à "incapacidade mental" e à possível falsificação da assinatura do ex-dirigente.
“Declaro nulo o acordo firmado entre as partes, homologado outrora pela Corte Superior, em razão da incapacidade mental e de possível falsificação da assinatura de um dos signatários”, escreveu o desembargador na decisão.
O caso ainda cabe recurso nos tribunais superiores. Ednaldo Rodrigues já havia sido afastado da presidência da CBF em dezembro de 2023, mas conseguiu retornar ao cargo no mês seguinte após decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A nova decisão ocorre após o envio do caso ao TJ-RJ por determinação do próprio Gilmar Mendes, que rejeitou um novo afastamento imediato no início deste mês, mas ordenou a apuração urgente dos fatos.
Na segunda-feira, o desembargador Zéfiro havia solicitado o depoimento de Coronel Nunes, mas a audiência foi cancelada após a defesa do ex-presidente da CBF alegar motivos de saúde. Três dias depois, veio o novo afastamento de Ednaldo.
Fernando Sarney assume como interventor
Vice-presidente da CBF com mandato até março de 2026, Fernando Sarney foi nomeado interventor e terá a responsabilidade de organizar nova eleição. Sarney, que faz parte da oposição a Ednaldo Rodrigues, não integrou a chapa que o reelegeu por aclamação no dia 24 de março.
Além dele, a deputada Daniela do Waguinho (União Brasil-RJ) também havia protocolado ação no STF pedindo a saída de Ednaldo, sustentando que a assinatura de Coronel Nunes no acordo era falsa. Um laudo pericial reforçou a alegação.
Pressa em anúncio de Ancelotti e tentativa de apoio
Na última segunda-feira, antes da decisão da Justiça, Ednaldo Rodrigues anunciou oficialmente Carlo Ancelotti como futuro técnico da seleção brasileira, antecipando-se ao Real Madrid, com quem o italiano ainda tem contrato. A ação foi interpretada como uma tentativa de fortalecer sua posição institucional em meio à disputa judicial.
Na terça-feira, Ednaldo se reuniu com presidentes de federações estaduais na sede da CBF, buscando respaldo interno. A estratégia jurídica da CBF foi apresentada, e os dirigentes manifestaram confiança em uma eventual vitória no STF, mesmo diante de possível decisão desfavorável no TJ-RJ — o que veio a se confirmar nesta quinta.
Com o novo afastamento, a CBF volta a viver um cenário de instabilidade política, com indefinições sobre sua liderança a menos de um ano da próxima Copa do Mundo de Clubes e da Copa América de 2026.
O afastamento de Ednaldo Rodrigues, encerra um mandato marcado por instabilidade política, suspeitas sobre a legalidade de sua recondução ao cargo e críticas recorrentes à falta de transparência na administração da principal entidade do futebol brasileiro.
Ednaldo assumiu o comando da CBF de forma interina em 2021, após a saída de Rogério Caboclo. Em março de 2022, foi efetivado na presidência. No entanto, desde então, sua gestão foi alvo de seguidos questionamentos, tanto no campo jurídico quanto no institucional. O auge da crise ocorreu em dezembro de 2023, quando ele foi afastado por decisão judicial, revertida posteriormente no STF.
O novo afastamento, determinado pelo desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro, expõe os vícios que marcaram o acordo judicial celebrado no início do ano — responsável por viabilizar a eleição de março de 2024, na qual Ednaldo foi reconduzido por aclamação. O suposto uso de uma assinatura falsificada do ex-presidente Coronel Nunes levanta dúvidas não apenas sobre a lisura do processo, mas também sobre a governança da CBF sob Ednaldo.
Falta de transparência
Ao longo do mandato, a gestão de Ednaldo foi frequentemente criticada por não garantir transparência nas decisões e no uso dos recursos da entidade. Gastos milionários com viagens, eventos e contratos foram executados sem explicações públicas claras, e a prestação de contas seguiu distante dos padrões de governança exigidos para entidades que administram verbas com impactos diretos sobre o futebol nacional.
Mesmo com a entrada em vigor da nova Lei Geral do Esporte e a pressão crescente por maior controle institucional, a CBF manteve resistências históricas à adoção de medidas básicas de publicidade e auditoria externa. Relatórios financeiros não foram amplamente divulgados, e informações estratégicas, como contratos com patrocinadores e repasses a federações, seguiram sob sigilo, à margem do interesse público e da imprensa especializada.
Ambiente de blindagem e ausência de debate democrático
Outro ponto crítico do mandato de Ednaldo foi a condução política interna. A reeleição por aclamação, sem chapa concorrente, ocorreu em um ambiente de alianças entre os 27 presidentes das federações estaduais e a diretoria da CBF. O processo, embora tecnicamente permitido, foi apontado por especialistas como carente de debate democrático e representatividade. A ausência de oposição organizada e a concentração de poder entre poucos dirigentes reforçaram a sensação de um sistema fechado, pouco permeável a transformações estruturais.
Ronaldo havia manifestado interesse para assumir a cadeira da CBF, porém, conforme publicado nas redes sociais oficiais do ex-jogador, foi desmotivado devido a baixa recepção pelos presidentes das federações dos quais se manifestavam ¨totalmente satisfeitos¨ com a gestão de Ednaldo Rodrigues.
Enquanto isso, decisões relevantes, como a condução da seleção brasileira, foram tomadas sem consulta a conselhos ou colegiados, em um modelo centralizado. A própria tentativa de anunciar Carlo Ancelotti antes do fim de seu vínculo com o Real Madrid — em meio à crise judicial — expôs a politização das escolhas técnicas e a tentativa de transformar decisões esportivas em gestos políticos.
Efeitos para o futebol brasileiro
A instabilidade institucional que cerca a CBF nos últimos anos não é irrelevante. Em um cenário onde clubes, atletas e torcedores exigem cada vez mais profissionalismo, eficiência e integridade da entidade que dirige o futebol nacional, a falta de um ambiente transparente e estável compromete desde a organização de campeonatos até a articulação internacional da Seleção.
A nova intervenção judicial — a segunda em menos de seis meses — sinaliza que a crise institucional da CBF não se resume a disputas de poder, mas a um modelo de gestão que ainda resiste a mudanças estruturais e a uma cultura de responsabilização.
Com Fernando Sarney nomeado interventor e encarregado de convocar novas eleições, o futebol brasileiro terá mais uma oportunidade de reavaliar o comando da entidade máxima do esporte no país. Resta saber se, desta vez, haverá espaço para mais transparência, participação e responsabilidade — princípios que a gestão de Ednaldo Rodrigues, ao fim, deixou de consolidar.